quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

PERSPECTIVAS PANAFRICANAS DO PASSADO NOS MOTIVA PARA NOVAS CONSTRUÇÕES PARA LIBERTAÇÕES

A crise atual do governo federal vem reacendendo um velho debate, no seio do movimento negro, bem como, no seio de vários segmentos do movimento social brasileiro, sobre qual projeto político seria o mais importante para o povo negro no Brasil. Desta forma, esse velho debate, ressuscitado em virtude da crise política que vive o governo vigente, se atém tão somente,e mais uma vez, a dicotomia acerca de qual  projeto de político de governança seria mais importante para o povo, o articulado pela direita (PSDB, DEM, etc...) ou o projeto político articulado pela esquerda (PT, PCdoB, etc...).

Sendo assim,  como acerca de 40 anos atrás, quando a militância social negra do país começava a respirar o ar internacional (conjuntural) acerca das implicações políticas de se aliar a um dos blocos político-econômicos predominantes no mundo daquela época, o dos Estados Unidos ou da União Soviética, estamos, mais uma vez!, refém do MIMETISMO SERVIL AO BRANCOCENTRISMO.

Os negros e as negras militantes que conduzem o tradicional movimento negro no Brasil do ano de 2016, muitos no protagonismo do mesmo a mais de 20 anos, são incapazes intelectualmente de verem o mundo para além da dualidade entre o verde do capitalismo ou o vermelho do socialismo. Para elas e eles, vivemos, e devemos viver eternamente mergulhados politicamente nesta dualidade apocalipitica, que bestializa a luta negra e faz com que a comunidade negra neste país contente-se em ser meros expectadores das ações e projetos políticos, sociais e econômicos dos brancos, sejam de que tendência forem.

A incapacidade destas lideranças e destas militâncias negras de tentarem construir um projeto político a luz da experiência histórica e de luta do povo preto coloca em cheque suas próprias capacidades e integridades. Mais impressionte ainda é se deparar com referências históricas do movimento negro, sumbersos no mimetismo, fazendo observações acerca da incapacidade atual das comunidades negras de se mobilizarem para defenderem o governo vigente, da incapacidades de sairem as ruas para defenderem um projeto político de um partido de usurpadores. Esses irmãos e irmãs, tão mergulhados nas lutas e concepções dos outros, essa luta de capitaliso x socialismo, de mais de cem anos, que dividiu o mundo a luz dos interesses dos projetos brancos de mundo, são incapazes, mesmo quando falam de grandes heroínas e heróis de nossa preta história, de pensar  além daquilo que foi estabelecido pelos algozes do que é bom e do que é mal para a humanidade.
Numa época como a atual - após tantas propagandas governamentais de progresso social e econômico que beneficiariam toda a população, sobretudo os mais pobres, incluíndo nosso povo - em que a comunidade negra sofre com a alta dos preços dos produtos que tradicionalmente consomem, sofre com a altas das contas dos serviços públicos onerados pela tarifa de consumo, sofre com a alta dos juros bancários (uma vez que são refém deles), sofre com a desvalorização do seu salário, sofre com sua incapacidade de mudar o rumos dos seus sofrimentos sociais, não temos nenhum tipo de autonomia estrutural para disputar o projeto político e econômico (de país, nação, democracia, seja lá a denominação quer for), impostos pelos brancos da direita ou da esquerda. Estamos reféns do mimetismo!

Entretanto, a nossa tão honrosa história de lutas  contra o supremacismo branco nos deu presentou com os legados de homens como Patrice Lumumba, Aimi Cesaire, Marcus Garvey, Steve Biko, dentre outr@s, que nos ensinaram que sempre estivemos “por nossa própria conta”. Que nos ensinaram que deveriamos andar com nossas próprias pernas. Que nos ensinaram que “os negros devem tornar-se sujeitos históricos para mudarem o curso da história vivida em que foram reduzidos a mero objeto em processos de exploração e opressão que marcaram sua particularidade. E que a única possibilidade que o negro tem de ser ele para ele próprio, de adquirir sua identidade e resolver seus problemas repousa na necessidade que tem de produzir os meios de realização de sua própria aspirações:”

Rememorar estas referências neste momento de crise política no país é preciso porque precisamos, em alguma geração, superar o mimetismo servil, e construir as bases da nossa independência estrutural politica e econômica. Alguma geração negra precisa, em algum tempo, consolidar  conquistas estabilizantes que sejam reflexos das nossas ações iluminadas pelo acúmulo da nossa luta  e história, que sejam reflexos da nossa  autonomia e busca por verdadeira libertação. Precisamos superar esta dicotomia de  que se será o projeto de direita ou o projeto de esquerda que trará a “salvação” para nosso povo.

Devemos compreender que ENTRE O VERDE DO CAPITALISMO E VERMELHO DO SOCIALISMO EXISTE O AMARELO, simbolizando as aspirações panafricanas libertárias de Dandara, Akotirene, Zumbi, e tantos outros quilombolas seculares. Elas e eles negaram  a conjuntura vigente de suas epocas e  construíram um modelo paralelo de sociedade onde pôde-se aplicar os princípios da dignidade existencial africana e todos os campos da vida. Os legados dos quilombolas que lutaram contra a exploraçaõ branca não foi outra a não ser aquela ligada a necessidade de nós pretas e pretos sermos governantes de nossas próprias vidas. 
Assim, “se a tomada de consciência do negro deve significar uma mudança no curso das coisas”, deve uma geração mudar essa lógica de depedência que temos do homem branco no Brasil, pois a construção de estruturas políticas e econômicas na perspectivas panafricana são uma necessidade para o Brasil do Século XXI e XXII. Precisamos nos libertar desta dependência mendingatória do estado, das suas políticas públicas paliativas que nunca, e acreditem que nunca, irão concretizar as mudanças estruturais que necessitamos enquanto comunidade preta. Precisamos realizar em nossas comunidades a constituição de instituição pretas autonômas e fortes nos vários segmentos de demanda social (saúde, segurança e defesa comunitária, educação, emprego, TERRAS, economia, espiritualidade, etc..), que sejam autônomas não só na capacidade de gestão, mais, também, ideológica.  

Assim, penso, que se hoje vivemos num deserto - onde a comunidade negra não tem nenhum tipo de estrutura política, econômica e social independente das amarras ideológicas, e/ou políticas, e/ou econômicas dos brancos –  nós, pertencentes a uma geração que busca  outras formas de realização da libertação preta, devemos ser o sinal de água no meio desse deserto para nosso povo, pois ainda que consigamos ser somente o sinal de água no meio desse deserto, muitas esperanças serão mantidas vivas nessa busca pela verdadeira fonte de água. Assim,  um dia, em alguma geração, essa fonte de água encontrada matará as sedes coletivas que a séculos vem eliminando muitos dos nossos.


Se neste presente século não temos como caminhar politicamente com autonomia, na perspectiva da estruturação de insituição sociais coletivas, (re)organizemo-nos coletivamente e, ocupemos nossas comunidades e reconstruamos as bases da nossa autodeterminação racial para gerações vindouras do nosso povo. Como meta, pensemos em reconstruir  os fundamentos da nossa luta, da nossa mobilização, das nossas estruturas coletivas, das nossas esperanças, para a geração de pretas e pretos do século XXII e deixemos um legado mínimo para que esta geração possa realizar coisas maiores do que nós pretendemos realizar nesta nossa geração.